Depois que se apaga, ele continua lá.



D07


Depois de um tempo evitando aquela parede, a gente percebe que consegue voltar, sentar na poltrona e apreciar a arte que há em todos aqueles quadros da memória.  É que, se mesmo depois que se apaga, ele continua lá, polaroide emoldurada, o amor talvez vire outra coisa, assim, uma espécie de pós-amor.  

Pós-amor, que é amor também, é só um nome diferente pra guardar o amor que fica, que fica e se transforma. Porque amor faz parte daquela classe especial de coisas que são muito maiores que as palavras, e mesmo com todos os alfabetos, as gentes ainda não sabem escrever-amar. Se em mosquito cabem três mosquitos, em amor não se pode dizer o quanto existe. Isso porque o amor segue indefinido em tamanho e forma, mutável, mutante (mutatis mutandis).

Como acontece com o amor, o pós-amor incomoda e até dói um pouco. Talvez seja por isso que alguns simplesmente o deixam de lado e comecem logo a construir outro mural de recordações para, então, vez por outra tropeçarem em uma caixa perdida com uma fotografia antiga. Como se fosse normal momentos felizes abandonados num canto qualquer.

Eu sou daqueles que preferem olhar com calma para os quadros e, depois de um tempo, ver que, ali, está o pós-amor. E que o pós-amor pode trazer tantas recompensas quanto o outro amor, e que eu tenho que aprender a gostar delas como gostava das que o outro trazia. O pós-amor é um querer bem que não quer mãos dadas. É admitir para si a importância que aquele amor teve na sua vida e que os momentos bons foram muito maiores que os ruins. Pós-amor é ir amando um amor que já foi amado, sem que isso atrapalhe a vinda de amores novos e prontos para serem emoldurados também.

Com um pouco mais de tempo, o pós–amor para de doer e começa a ficar confortável. É que se ele dá mão esquerda para o amor, a direita ele dá para a amizade. Com o pós-amor, não há amarras nem o medo de decepcionar. Há a liberdade, o companheirismo, os sorrisos. Há o sentimento de que poucas pessoas te entendem tão bem quanto aquela. E, se o amor tinha desbotado, com o pós-amor vai ganhando outras cores. Continua lá, numa paleta diversa.

Desses pós-amores, tenho uma pequena coleção particular. Não os tenho enquanto amores mal resolvidos, como alguns poderiam apontar: resolvemos pelo pós-amor, não pelo esquecimento (que, na verdade, nunca vem de verdade).  E é por isso, que lá nos momentos de total tristeza e solidão, eu busco sim os braços do pós-amor, mas tudo o que eu quero é um abraço. Um abraço e um sorriso, e então eu tenho certeza de que eu fiz as escolhas mais acertadas, tão coloridas, para a minha vida.

Pós-amor é a ternura de declarar um amor que já morreu – eu te amei –, enquanto se aconchega nas lembranças dele – não desapareça.

3 comentários:

  1. Lembro de uma conversa que tivemos tempos atrás. Você dizendo que certa pessoa fazia parte da minha vida, enquanto eu teimava que era apenas parte do meu passado. Você replicava que o passado contruíra minha vida, enquanto eu dizia que ele influenciara meus caminhos e escolhas, no máximo. Termos a parte, falávamos da mesma coisa.

    Concordâncias a parte, embora ache lindo e ideal isso de superação, com um amor virando uma bela amizade, pessoas permanecendo mutuamente nas vidas cotidianas alheias, não vejo isso funcionar bem. Não que brigas sejam necessárias, mas, geralmente, há mágoa demais pra manter um convívio diário que não seja superficial, ou, pior ainda, forçado e falso. Constantemente, a amizade é mera estratégia pra manter o objeto do afeto ao alcance das mãos. (Embora deseje ser uma pessoa superior, na minha vida, sempre foi assim. Nunca tive o desapego necessário pra fazer essa conversão de uma forma honesta.)

    Amor, embora infinito e supostamente eterno, as vezes calha de acabar. Nem por isso acho que signifique que nunca foi amor - foi, mas por qualquer razão, desgastou, perdeu o brilho, desbotou. Como nessa polaroide aí.

    Tenho, evidentemente, meus proprios relicários: físico, guardando imagens de pessoas sorridentes supostamente felizes, prometendo à camera algo que não tinham intenção nenhuma de cumprir; e, diário de nosso tempo, virtual, com pensamentos e sentimentos que agora soam tão soltos que mal tenho certeza sobre quem me referi. é que tudo isso é real e palpável, mas como em revelações digitais, quando submetido à lavagem pelas aguas do tempo, se desfaz em camadas, e é impossível reconstruir alguma coisa com o que sobra dali.

    Talvez seja só comigo.

    Compartilho atualmente a ausência de amores mal resolvidos - um vivo, e todos os outros, devidamente mortos e, conforme o caso, enterrados a sete palmos no chão, ou guardados numa bela urna honrando a importancia que um dia possuíram.

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    1. Eu concordo discordando.
      Na verdade, se ex fosse bom, não era ex, já diz a velha sabedoria popular. Mas essa, digamos assim, Teoria do Pós-Amor (adorei escrever isso com iniciais maiúsculas) também não é para ser aplicada a todos os casos. É só quando há, de fato, o pós-amor.

      E não adianta. Se você terminou um relacionamento porque a outra pessoa não cumpriu requisitos básicos de lealdade ou respeito, por exemplo, não acho mesmo que será possível levar as coisas para frente. Ora, lealdade e respeito, mantendo o exemplo, são o fundamento básico de qualquer relação, então, se ausentes, não dá pra falar em pós-amor, amor, amizade ou mesmo coleguismo. No máximo fica um carinho pela época de antes de perceber que faltavam esses requisitos, no mais, a gente busca se distanciar. O que é normal. Ninguém quer por perto (ou não deveria querer, eu acho) o que não é bom pra si.

      O pós-amor, por sua vez, surge (pelo menos comigo foi assim), quando um relacionamento desanda por algum outro motivo alheio à vontade das partes. E ai não resta grandes mágoas, só uma tristeza por não ter dado certo. A pessoa ainda é objeto de afeto, um outro afeto. Mas não adianta forçar, não dá pra ter um relacionamento amoroso, o amor já apagou. Resta o pós-amor.

      Mas eu também não estou dizendo que é fácil. Acho que é fins de relacionamentos são sempre dolorosos e deixam boas marcas em todos os envolvidos. Mas se as pessoas continuam se falando, não só por comodidade ou educação, mas se interessando, se preocupando mesmo com as outras, ai está o embrião do pós-amor. Alguns assuntos, no começo, devem ser evitados. Não adianta querer chegar e já falar sobre uma nova pessoa na sua vida quando o rompimento ainda está fresco na memória, pode ser só comigo, mas o ciúme (ele ainda está lá!) atrapalha. Mas o interessante é que com o tempo, esse passa ser um assunto tão corriqueiro quanto qualquer outro. E perguntar sobre a vida da outra pessoa será, invariavelmente, perguntar também sobre a vida amorosa dela. Depois de um tempo, não dói. Depois de um tempo, frise-se.

      Você diz que esse relacionamento, muitas vezes, é uma estratégia pra manter o objeto do afeto ao alcance das mãos. E é. Eu não discordo. É bom ter pessoas queridas por perto. Quando elas são queridas. E quando a presença delas não causa mais dor que boas memórias.
      Então, no fim, eu acho que você não deve falar que não é uma pessoa evoluída para o pós-amor. Não é questão de evolução, coração de pedra ou qualquer outra coisa que não sorte: sorte de ter se relacionado com pessoas com quem você quer estar ainda por muito tempo.
      E, ah, quando você diz que o amor acaba, é verdade. O amor acaba, mas também pode ser construído. Tudo é questão de saber se vale a pena continuar tentando com algumas pessoas.

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  2. gostei muito do que você deixou no meu canto, daniel. seu conceito de pós-amor é ótimo e super aplicável. estou curiosa por mais coisas...

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